domingo, 18 de novembro de 2007

Concessões

Bom, sei que o assunto aqui é a programação, mas vamos voltar um pouco, e falar das concessões.
O Serviço Especial de TV por Assinatura, que pouca gente conhece, deveria merecer mais atenção da sociedade. Na virada dos anos 80/90, 25 concessionárias ganharam gratuitamente essas licenças. Passados 15 anos, foram premiadas com a renovação automática e também gratuita dessas licenças, por omissão da Anatel e do Ministério das Comunicações. O mais grave é que, se no passado essas outorgas de radiodifusão e de telecomunicações eram feitas sem licitação pública, hoje, essas 25 empresas passam a contar com um patrimônio valioso: o escasso e cobiçado espectro de freqüência de UHF (os seus canais estão espalhados pelas faixas de 470 MHz até 806 MHz).
Esse serviço já começou errado. Em 1988, decreto do então presidente José Sarney cria essa modalidade de TV, para distribuir sons e imagens para assinantes com sinais codificados. Essa tentativa de criar uma TV paga com apenas um canal (cada canal ocupa 6 MHz, igual ao das TVs abertas) acabou não dando certo, e, já prevendo essa limitação, o próprio decreto de Sarney permitia a essa TV também transmitir parte da programação abertamente. As 25 licenças foram outorgadas para diferentes amigos do governo e, com o passar do tempo, foram mudando de mãos, embora algumas famílias de políticos as mantenham até os dias atuais. Entre elas os Magalhães, que possuem a outorga em Salvador (BA), e os Sarney, em São Luiz (MA). Entre os atuais concessionários estão os grupos RBS, Abril, Globo, O Dia, o empresário Antonio Dias Leite (antigo dono das operações de cabo Multicanal, vendidas depois para a Net), a Rádio Itatiaia (MG), e a Rede Brasileira de Comunicação (de Brasília).
No governo Collor, o ex-presidente chegou a publicar dois decretos sobre esses serviços. O primeiro revogava as concessões, e o segundo reabilitava os efeitos jurídicos das concessões pelo prazo remanescente das outorgas. Entre esses “efeitos jurídicos” reabilitados estava o direito de as concessionárias pedirem a renovação das licenças, por mais 15 anos. O que fizeram. Faltando dois anos para acabar o prazo da concessão, as 25 empresas ingressaram com o pedido de renovação na Anatel, que não se manifestou, e só está resgatando o tema agora, três anos depois. Aparentemente, tarde demais para mudar o status quo dessas licenças.
Essa omissão também contou com a colaboração do Minicom. Com uma exagerada cautela, a Anatel decidiu, em 2004, consultar o ministério sobre a quem caberia cuidar dessas concessões. É praxe no setor aproveitar a renovação de licenças para estabelecer novos condicionamentos (pagamento pela freqüência e regras claras para prestação do serviço, por exemplo), corrigindo, assim, distorções do passado. Quando a resposta do Minicom chegou, confirmando que a competência era mesmo da Anatel, já havia esgotado o prazo legal para o estabelecimento de novos condicionamentos. Em síntese, as concessões foram renovadas por decurso de prazo, sem qualquer contrapartida adicional.
A Anatel estuda como fazer para que esse serviço seja enquadrado como TV por assinatura, já que não se tem notícia de que qualquer desses canais tenha um único assinante pago. Até porque, por pressão desses concessionários, ao longo do tempo o poder concedente foi flexibilizando o período em que essas TVs podiam transmitir os sinais abertamente. Começou com 25%, passou para 35%, até que, em 2003, a Anatel aprova a ampliação para 45% o tempo de irradiação aberta diária.
Nesse último ato, assinado pelo então presidente da agência, Luiz Guilherme Schymura, fica estabelecida a data final de 30 de agosto de 2004 para essa transmissão. Em outubro de 2004, porém, um novo ato da agência, desta vez assinado por Pedro Jaime Ziller de Araújo, mantém esses canais com 45% de irradiação aberta até “a definição de uma nova política para a regência desta modalidade de serviço”, o que acabou não ocorrendo.

Peso de ouro
Agora, esses 25 concessionários têm em mãos não apenas um canal de TV aberto/fechado, mas um espectro de freqüência que passa a ser comercializado a peso de ouro em todo o mundo. Embora esses canais estejam espalhados pelo espectro UHF da radiodifusão (alguns em faixas baixas, de pouco valor comercial, como as de 470 MHz), muitas dessas TVs ocupam bandas que ficarão ao lado dos futuros canais da TV digital aberta, ou estão em faixas altamente valorizadas. A FCC (Federal Communication Comission), nos EUA, vendeu recentemente algumas dessas freqüências e já anunciou leilão para o próximo ano, com preço mínimo de US$ 4,5 bilhões. Esse espectro passou a ser visto pelo mundo como uma belíssima oportunidade para a transmissão de vídeo móvel.
Fato consumado, a Anatel precisa, agora, encontrar saídas técnicas que pelo menos façam com que essas concessionárias “especiais” invistam na oferta de serviços para a população. Uma das alternativas poderá ser tratá-las, de fato, como os demais operadores de TV paga, que têm as licenças para prestar o serviço pelo cabo, por rádio (MMDS) ou pelo satélite (DTH). Ou seja, passar a exigir cumprimento de metas de qualidade, ou de uso eficiente do espectro, entre outros. E acionar o seu poder fiscalizador. A conferir.

Festival de gambiarras
As concessões para o Serviço Especial de TV por Assinatura (TVA) perdidas por “decurso de prazo” pela Anatel e pelo Minicom, poderiam ser suspensas, caso o substitutivo que trata dos três projetos sobre distribuição de conteúdos digitais que tramitam no Congresso Federal unifique todas as normas e diferentes regras que envolvem, hoje, o serviço de televisão paga. A avaliação é de Gustavo Gindre, do coletivo Intervozes. “A questão central aí envolvida é a necessidade de um novo marco regulatório para as comunicações que acabe com esse festival de gambiarras. Se não for possível, teríamos que tentar pelo menos uma unificação da regulamentação dos serviços de acesso condicionado na TV, hoje dispersos no cabo (na forma de lei), no MMDS, no DTH e no Serviço Especial por Assinatura. Espero que o relatório do [deputado Jorge] Bittar sobre os três projetos que estão na Câmara pelo menos tenha a ambição de unificar a regulação da TV paga. Pelo menos isso”, defende.
O deputado Jorge Bittar (PT/RJ), relator do substitutivo, contudo, ainda não tem posição definida sobre o futuro deste serviço especial que, talvez, exija uma menção específica no documento final de projeto de lei. “Vou solicitar à consultoria da Câmara um estudo sobre o serviço, as normas e as portarias que o criaram. Temos que abordar o tema, considerando inclusive o novo papel da Anatel na fiscalização das TVs pagas”, diz.
Nessa regulação única para a TV paga, está claro, para Gindre, que simplesmente não deveria existir esse serviço especial. “O serviço não está amparado em nenhuma legislação, as outorgas são superprecárias, a maior parte não funciona direito e elas ocupam um espaço que acabou se tornando escasso (graças ao modelo de transição que o governo impôs para a digitalização da TV aberta)”. Por isso, diz ele, as licenças poderiam ser revogadas pelo substitutivo, de modo que esses canais retornassem para o PBTVD (Plano Básico da TV Digital).
Do ponto de vista jurídico, Gindre acredita que não seria difícil revogar as outorgas e extinguir o serviço especial de TV por assinatura. O problema é político: “encontrar gente no Congresso Nacional com coragem para fazer isso”. De qualquer forma, destaca ele, “seja pela existência desses três projetos no Congresso e a possibilidade de termos uma unificação da regulação da TV paga; seja pela digitalização da TV aberta, o momento para se fazer algo é agora”.

Iara Marques

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